segunda-feira, 16 de novembro de 2009

TEMPO DE POESIA

GATO

Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pelo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que Deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?

Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
que somos nós, teus donos ou teus servos?


Alexandre O'Neill (1924-1986)
poeta português

1 comentário:

  1. Cicatrizes de um "Gato Aristocrata"...

    Sendo difícil "comentar Alexandre O'Neill" e porque se falo de mais não escrevo, pois nada me resta se não dizer:

    Falando de marcas e cicatrizes, domina e submete a palavra como um maestro que com gestos, comanda a execução da mais bela sinfonia.

    Gostei de tudo mas "a rubrica", sendo ele gato preto... está pronta a digitalizar!

    O amor pela palavra é imenso - de Deus recebeu a unha -.
    Induz ao doce gesto da língua lambendo cicatrizes de chagas! Nas mãos e caras... das feridas do dono ou servo.

    Palavras são fadas - e este grande mago - faz bailar, palavras em corpo-poema!

    TEM(po de)POESIA

    MmeCorreia

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