domingo, 15 de novembro de 2009

TEMPO DE POESIA

SURGE ET AMBULA

Dormes! e o mundo marcha, ó patria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O Progresso caminha ao alto de um hemisfério.
E tu dormes no outro o sono teu infindo...

A selva faz de ti sinistro eremitério.
Onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...

Desperta! Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente em carne de sonâmbula.

Desperta! O teu dormir já foi mais do que terreno.
Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz-te: - África, surge et ambula!


Rui de Noronha (1909-1943)
poeta moçambicano

1 comentário:

  1. A mesma...

    "ÁFRICA

    Vê como as minhas mãos são tristes sem ti:
    dobram-se sobre o meu peito, abandonadas,
    frias.

    Tiveram sempre a cor da memória, que é a da água, e as fronteiras todas da claridade.

    Quando as tuas mãos recebiam as minhas,
    entravámos numa inebriante navegação de sentidos.

    Eras no entanto uma mãe escondida na penumbra, a quinda à cabeça, os pés na poeira da minha inocência.

    Eu amava-te como se ama um poema, à imagem de tudo quanto é belo e trágico.

    Oh!, como o lume dos teus braços, tão cheios de terra, incendiava o inverno das minhas noites mais longas!

    Vi o teu corpo envelhecer dentro dos panos, a pele enrugar-se, a caíres de melancolia de encontro ao sol de estranhas madrugadas.

    No dia em que me fechaste a porta as mangueiras cantavam sob o último voo dos flamingos.

    Não sei em que letargia desaguava o teu amor,
    que incompreensíveis venenos alimentavam a tua indiferença.

    Fui-me embora como as aves da tarde.

    A sombra da minha voz voava desesperada em volta da tua janela.

    À distância vi-te correres a cortinas.

    O crepúsculo caía e uma ferida do tamanho do mundo crescia no meu olhar para sempre.

    Eduardo Bettencourt Pinto"

    MmeCorreia

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